quinta-feira, 12 de agosto de 2010

"As Sem-Razões do Amor" - Carlos Drummond de


"Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
E nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
E com amor não se paga.
Amor é dado de graça
É semeado no vento,
Na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
E a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
Bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
Não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
Feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
E da morte vencedor,
Por mais que o matem (e matam)
A cada instante de amor."

Quando se ama, não é necessário um motivo ou explicação.
Não é racional. É só... AMOR...

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

"Retrato" - Cecília Meireles


"Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?"


Nem sei o que comentar aqui: o poema fala por si só...

"O Verão de 92" - Luís Fernando Veríssimo


"Nas férias eu fui quase todos os dias à praia. Apesar dos protestos de mamãe. Mamãe não gosta de praia desde que um parente dela foi dar um mergulho e se dissolveu na água.
Meu pai diz que é bobagem, que é só a gente prestar atenção nas bandeiras. Bandeira branca é quando o mar está cheio de detergente. Não há perigo. É só a gente não chegar muito perto da espuma superativada.
No ano passado o meu irmão menor, o Tuca, brincou muito com a espuma e está até hoje com uma estranha luminosidade.
Dentro de casa não dá para ver bem mas, quando a gente faz o teste da janela com o Tuca, ele brilha.
Mamãe sempre grita para a gente ter cuidado para não largar o Tuca da janela do apartamento, mas ele gosta.
Bandeira amarela é arsênico. Dizem que também não tem muito perigo, contanto que a gente não abra a boca nem os olhos embaixo da água.
Mas no último campeonato de surf que fizeram no Arpoador com bandeira amarela, quando os competidores ficavam de pé na prancha não tinham mais calção e quando chegavam na praia não tinham mais a prancha.
E a parafina do cabelo ficava verde e o cabelo começava a cair. O que dava de gatão escaldado!
Bandeira vermelha é mercúrio. Também não é perigoso, mas a pessoa deve ficar em observação durante 24 horas depois de sair da água. Se as unhas começarem a encolher, deve-se chamar um médico.
Bandeira preta é óleo na água. Isto é o mais comum. É chato porque suja, mas também não tem muito perigo.
Até hoje só houve três ou quatro casos de pessoas que ficaram tomando muito sol depois de um mergulho no mar cheio de óleo e se incendiaram.
Bandeira preta esfarrapada com caveira é ácido. Isto sim é perigoso. Nesse a onda é que fura você. Neste verão eu inventei de testar a água num dia de bandeira preta e é por isso que estou com o pé enfaixado. Sinto uma falta do dedão...
Mas a praia continua uma beleza, depois que a gente se acostuma com o cheiro de amoníaco e peixe morto. Mesmo quando não dá para entrar na água e sair inteiro há muita coisa para fazer.
Castelo de farelo de carcaça, por exemplo. Ou escalar cadáver de baleia. Em alguns trechos a gente enxerga areia por baixo das camadas de marisco podre.
Papai diz que antigamente a praia era só areia, mas não dá para confiar muito nele. Ele também diz que o mar era verde e que peixe se comia.
Joguei muito futebol na praia antes de perder o dedão. Era difícil formar os times porque ninguém queria jogar na ponta e pegar um respingo do mar no olho e ficar cego.
O chão de osso de peixe rala o joelho da gente e, quando a bola cai na água, explode. Mas foi ótimo.
Apesar de tudo, ainda tem gente que nada até além da rebentação. É muito arriscado. O perigo não é o afogamento, é respirar o vapor que sobe da água.
Banhista não entra mais no mar para salvar ninguém. Salva por megafone. Fica gritando "Vem! Vem!" e, quando o afogado chega na praia e o banhista vai fazer respiração artificial, não junta mais gente como antigamente. Agora todo mundo sai de perto porque pode esguichar.
Todo dia tem novidade na praia. Nossa turma ficava torcendo que aparecesse menininha com maiô de crochê, que não precisava nem entrar na água, se desmanchava com a brisa do mar.
Teve um dia que uma fileira de caranguejos saiu de dentro da água, andando de lado e meio cambaleando. Dizem que o da frente trazia uma bandeira branca, mas isto deve ser invenção.
O cheiro do mar era tão forte que um dia abateu um daqueles aviões que passam com faixa de propaganda. O piloto saltou de pára-quedas sobre a água, mas o pára-quedas, em vez de descer, subiu.
Um dia foi uma grande sensação. Apareceu uma gaivota. Todo mundo correu para ver. Eu só conhecia gaivota de ouvir papai falar. A gaivota rodou, rodou e, de repente, mergulhou na água.
Quando apareceu outra vez tinha um peixe preso no bico. Mas logo cuspiu o peixe fora e disse - deu para ouvir direitinho, da praia - "pshaft!" Depois voou para longe. Todo mundo riu. Mas não muito."

Quando eu era criança, minha irmã tinha um livro de português do autor Douglas Tufano que trazia a análise dessa crônica exageradamente hilária. Na época, eu não sabia ler, mas adorava quando ela lia para mim principalmente a parte "sinto uma falta do dedão...". Mas quando eu cresci, e soube que esse texto foi escrito em 1978, percebi que se não tomarmos providências, isso REALMENTE vai acontecer...

"Cárcere das Almas" - Cruz e Sousa


"Ah! Toda a alma num cárcere anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as grades
Do calabouço olhando imensidades,
Mares, estrelas, tardes, natureza.

Tudo se veste de uma igual grandeza
Quando a alma entre grilhões as liberdades
Sonha e, sonhando, as imortalidades
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza.

Ó almas presas, mudas e fechadas
Nas prisões colossais e abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!

Nesses silêncios solitários, graves,
que chaveiro do Céu possui as chaves
para abrir-vos as portas do Mistério?!"

Minha Mãe simplesmente ODEIA melancolia poética. Ela sempre me lançava um leve olhar de censura quando percebia o que eu estava lendo, sem nunca contudo, criticar.
Esse sofrimento me encanta e me faz refletir, nem sei como expressar, mas é assim mesmo!

"Vou-me embora pra Pasárgada" - Manoel Bandeira


"Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção

Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada."

Apenas uma consideração: Quem nunca quis "ir embora prá Pasárgada"?

sábado, 24 de julho de 2010

"Versos Íntimos" - Augusto dos Anjos


"Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo, acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja esta mão vil que te afaga,
Escarra nesta boca que te beija!"

Ah, que tempos esses de andar por cemitérios toda de preto. Que bom que passou, embora tenha aprendido muito sobre "o sofrimento como fonte maior de inspiração", mas depois que crescemos e amadurecemos, damos conta de que há outras fontes de inspiração menos tristes e menos doloridas onde podemos buscar idéias, né Amãnda? ^^

"O Bicho" - Manuel Bandeira


"Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa;
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem."

Nestes versos, temos o retrato puramente crítico de cenas bárbara e demasiadamente comuns aqui no nosso país. Que poderemos fazer para acabar com isso se nosso grito, nosso apelo não é ouvido pelos que podem reverter esse tipo de situação...?

sexta-feira, 23 de julho de 2010

"Ismália" - Alphonsus de Guimarães


"Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar..."

A primeira vez que li esse poema, numa aula de Português da 7ª aérie, fiquei tão abobada, que depois de acabar a leitura em voz alta para a classe, as palavras se esvaíram da minha garganta e eu não pude comentar que havia lido conforme a proposta dada pela professora, até ler e reler a obra em voz baixa e sorrir internamente.

"A Poesia Prevalece!"

Já começando com uma frase de um dos maiores nomes da poesia moderna, Fernando Anitelli, farei minhas as palavras dele. Dentro desse Blog o que importa, é o valor e a significação, conteúdo da escrita. Em prosa ou em versos, veremos por aqui nomes famosos de escritores/poetas/músicos brasileiros (em grande maioria) e esrangeiros também. Todos aqui são bem-vindos para sugerir um autor ou uma obra prá complementar. Veremos por aqui textos, poesia, algumas letras de música e até fragmentos literários!

Ficarei por aqui e deixo para vocês uma das minhas poesias favoritas de todos os tempos!